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Nunquam aliud natura, aliud sapientia dicit, J, 14 321.
In silvis academi quererere rum,
Quamquam Socraticis madet sermonibus
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2408 — 905
QUADRO DO PESSOAL
MUSEU NACIONAL DO RIO DE JANEIRO
ADMINISTRAÇÃO
Dircctor geral — Dr. João Baptista de Lacerda, Secretario — Alipio de Miranda Ribeiro.
Bibliothecario — Manoel Soares de Carvalho Peixoto.
PRIMEIRA SECÇÃO Zoologia
Professor — Dr. Macedo de
Mendonça.
Hermillo Bourguy
Assistente — Carlos Moreira,
Assistente ( Interino ) — Eduardo Siqueira.
Preporadores :
Teixeira de
Taxidermia — Octavio da Silva Jorge Unterino). Osteologia — Antero Martins Ferreira.
SEGUNDA SECÇÃO Botanica
Professor — Dr. Amaro Ferreira das Neves Armond. Assistente — Alberto José de Sampaio.
Preparador — Alexandre Magno de Mello Mattos.
TERCEIRA SECÇÃO Mineralogia, geologia e paleontologia Professor — Francisco de Paula Oliveira ( enge- nheiro de minas ).
Assistente — Hildebrando Teixeira Mendes (enge- nheiro de minas ).
Assistente (Interino )—Dr. Oscar Publio de Mello, Preparador— Raymundo de Souza Teixeira Mendes ( Interino ).
QUARTA SECÇÃO Anthropologia, ethnologia e archeologia
Professor — Domingos Sergio de Carvalho (enge- nheiro ). Assislente — Dr. Preparador — Santos Lahera y Castillo.
Edgard Roquette Pinto.
Porteiro — Antonio Alves Ribeiro Catalão. Continuo — Amando Goulart Alvim. Jurdineiro-chefe — Wred, Carlos Hechne.
SUMMAÁRIO
Dr. J. B. de Lacerda — O Microbio da Febre Amarella, pags. 1 a 24, 2 ests.
Alípio de Miranda Ribeiro — Fauna Brasiliense — Peixes — tomo 1. pags. 25 a 128, 42 figs. e 1 est.
álipio de Miranda Ribeiro — Fauna Brasiliense — Peixes — tomo II — Desmobranchios— pags. 129 a 212, 19 ests.
Alipio de Miranda Ribeiro — O Porquinho da India e a Theoria Genealogica, pags. 219 a 227, 2 ests.
Alipio de Miranda Ribeiro — Alguns dipteros interessantes, pags. 22) à 239, 13 ests.
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O MICRÓBIO DA FEBRE AMARELLA
CONTESTAÇÃO
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Conclusão negativa da Comissão Americana em Havana e da Comissão Franceza no Rio de Janeiro
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Dr. J. B. de Lacerda
Director do Museu Nacional do Rio de Janeiro e do Laboratorio de Biologia ; ex-Presidente da Academia Nacional de Medicina do Rio de Janeiro; Professor honorario da Faculdade de Medicina de Santiago do Chile ; Membro Correspondente da Sociedade de Anthropologia de Berlim ; da Sociedade de Anthropologia de Paris ; da Sociedade de Anthropologia, Ethnologia de Florença ; da Sociedade de Hy giene de Paris; da Sociedade de Geographia de Lisboa ; da Sociedade Medica Argentina ; Vice-Presidente do Congresso Medico Pan-Americano de Washington (1893) e Presidente da Secção de Physiologia do mesmo Congresso; Presidente honorario do Congresso Medico Latino-Americano de Buenos Aires ; Membro da Commissão nomeada por este Congresso para formular as bases
de um Codigo Medico Internacional; Premiado com a Medalha de bronze na Exposição Anthropologica do Trocadero (1878)
e na Exposição de Chicago. Auctor de numerosas publicações scientificas, umas formando livros,
outras insertas em Revistas nacionaes e extrangeiras.
Acompanhado de duas estampas lithographadas
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O MICROBIO DA FEBRE AMARELLA
Contestação à conclusão negativa da Commissão americana de Havana € da Commissão franceza no Rio de Janeiro
PELO
Dr. J. B, DE LACERDA
Srs. Academicos.
Venho hoje desempenhar-me de uma obrigação, que sobre mim tomei ha dous annos passados, quando publiquei o meu trabalho — Recherches sur lu cause et la prophylaxie de la Fiêvre jaune, isto é, venho apresentar-vos os documentos e as peças de convicção que serviram de base às conclusões daquelle trabalho.
Depois de atravessar uma phase de controversias e de luctas scientificas ardentes, o problema da febre amarella entrou agora em um periodo de calma e de silencio, tal como frequentemente succede ás forcas extenuadas dos combatentes após os grandes combates. Um facto de alta importancia practica, de grande alcance prophylactico, surgiu durante a phase de agitação: esse facto foi o conhecimento da transmissão da febre amarella pelo stegomyia . Sobre este alicerce construiu-se a moderna prophylaxia desta molestia, e della brotou a esperanca de se vêr em breve tempo extincto esse flagello dos paizes americanos.
Quem dentre nós deixaria de se regosijar intimamente com essa conquista, que importava em uma promessa de fazer passar para o mundo das cousas inteiramente acabadas essas assoladoras epidemias, que tantas vidas preciosas consumiram no nosso e em outros paizes?
No ponto de vista do interesse da vida humana, o problema não podia ter achado solução mais util nem mais conveniente; no ponto de vista scientifico, porém, a so- lucão foi incompleta e falha.
A transmissão da febre amarella pelo mosquito é um facto que não soffrerá mais contestação; e dos corollarios desse facto estamos tirando todo o proveito que é possivel na applicação dos meios prophylacticos, A sciencia, porém, tem exigencias inflexiveis que carecem ser attendidas e satisfeitas em benefício da razão humana : ella não dorme o somno do descanso emquanto não vê em compridas vigilias coroadas as suas obras,
A ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL
O problema da febre amarellateve inquestionavelmente uma solucão practica, mas não teve uma solução scientifica, pois que continúa-se ainda a considerar a febre amarella molestia de causa desconhecida.
Eu me proponho, a demonstrar que a solucão scientifica, isto é, a especificidade da causa, está achada e definida, sem embargo das opiniões contrarias, que attestam a invisibilidade do microbio da febre amarella.
Não visa este trabalho outro fim sinão esse: e nelle conto accumular uma tão grande somma de argumentos e de provas em favor da minha affirmação, que espero ficareis della inteiramente convencidos. A minha demonstração será feita não só com provas e argumentos de razão, mas ainda com factos visiveis que ferem os sentidos e incutem no espirito plena convicção.
Estão cheios os annaes da sciencia de documentos que mostram quanto se tem abusado conscientemente da auctoridade para consolidar opiniões e theorias mal fun- dadas;e ninguem poderá bem avaliar os damnose os embaraços que até hoje tem cau- sado aos progressos da sciencia o supersticioso respeito à auctoridade, nem quantos erros passaram pelo mundo como verdades à sombra desse manto protector.
Foi para nos precaver contra semelhante servidão do espirito que Claude Ber- nard enunciou numa das suas obras doutrinaes os seguintes apophthegmas :
« Devemos ser ousados e livres na manifestação das nossas idéas, seguir o nosso sentimento, não nos deter pelo receio pueril de contradiccão das theorias. Quando se encontra um facto em opposicão com uma theoria reinante deve-se acceitar o facto e abandonar a theoria, ainda mesmo que esta, sustentada por grandes nomes, esteja geralmente adoptada.» — Méd. expérimentelle, pp. 70,288.
Pesquizando a causa da febre amarella, obedeci aos conselhos do mestre—não me preoccupei com as opiniões alheias, busquei estudar e conhecer os factos por mim mesmo, não os sujeitando a outro criterio sinão o da minha razão. E por que não me hei de eu agora pôr em guarda contra os golpes de sorpresa da contradiccão, quando está radiando no meu espirito a luz da evidencia ?
A invisibilidade do microbio da febre amarella é uma these tão disçutivel no ponto de vista especulativo, quão facil de ser destruida pela contraposição de factos experimentaes. Não tivesse ella para sustental-a o prégão repercutidor das duas commissões e a voz concertante dos summos pontifices d'alem mar e estaria já desde muito tempo reduzida a uma sombra impalpavel. Ella foi gerada sob o influxo de idéas preconcebidas e ao que parece tambem, pela necessidade: imperiosa e incoercivel de encobrir os lados fracos de um triumpho,
Pretenderam decalcar a theoria da febre amarella sobre a theoria da ma- laria; proposito suggerido pela identidade da transmissão pelo mosquito, provada nas duas molestias. E como a theoria da malaria estava fundada sobre a evolução de um protozoario, entendeu-se que a causa da febre amarella devera estar figu- rada em um microorganismo daquelle grupo, isto é, devera ser tambem um protozoario.
Dominados por estas idéas preconcebidas, as duas commissões não chegaram, antever siquer, que poderiam ser arrastadas inconscientemente, pela apparicão dos factos contradictorios, a negar a visibilidade do mierobio da febre amarella. Entretanto,
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não com argumentos validos, incontestaveis, mas por effeito somente da sua aucto- ridade, ellas conseguiram impôr essa idéa à razão scientifica universal.
Não percamos- tempo, porém, com estas impertinentes divagações, e encaremos já de frente, sem preambulos, os pontos culminantes da questão.
A invisibilidade do mierobio da febre amarella é uma these que póde ser discutida não só pelas leis geraes da microscopia, como tambem pelos principios já assentados da bacteriologia.
Na accepção vulgar « invisivel » quer dizer cousa que se não vê, cuja imagem real não póde ser apprehendida pelos orgãos da visão. A invisibilidade dest'arte concebida tem uma relatividade incontestavel, pois ella depende ao mesmo tempo das dimensões do objecto que se procura vêr e da potencia visual empregada neste mister. Assim como as dimensões naturaes dos objectos variam em uma longa escala, a potencia visual do olho humano varia tambem segundo os indivi- duos e as condicões do meio em que se realiza a visão, O myope não distingue o objecto na mesma distancia em que o presbita o vê; assim tambem a maior ou me- nor diaphaneidade do meio atmospherico facilita ou difficulta a boa visão.
“Quando se trata de ver objectos mui pequenos, cujas dimensões em diame- tro ficam abaixo de 1 milm. o orgão visual humano é obrigado a socecorrer-se das lentes augmentativas. Neste caso prevalece ainda a relatividade entre as dimen- sões do objecto e a potencia visual das lentes. O bacillo anthracis, por exemplo, cujas dimensões podem attingir a 8 e 10 microns., é perfeitamente visivel por uma lente que augmenta 500 diam. emquanto com esta mesma lente não se póde vêr distinctamente o pequenissimo bacillo de Pfeiller, cujas dimensões são de 2 microns. E, visto que tratando-se de objectos cada vez mais pequenos, a visibilidade só viria a ser real usando-se de lentes cuja forca augmentativa fosse cada vez maior, chegaria um momento em que as dimensões do objecto se- riam tão excessivamente pequenas, que nenhuma lente poderia alcançal-o. Neste caso, diz-se, deve-se considerar o objecto invisivei. Mas quem não comprehende que neste caso, quer o objecto, quer a invisibilidade são duas cousas hypo- theticas ?
Quem ousaria affirmar que, usando-se de lentes mais perfeitas e de maior al- cance do que as que possuimos actualmente, a visibilidade hypothetica do objecto viria a ser uma realidade ? Nesse estado permanente de duvida, ficar-nos-hia até o direito de attribuir-lhe a invisibilidade absoluta, que só pertence ás moleculas e aos atomos, ultimas particulas ideaes da divisão da materia.
As duas commissões appellaram para os futuros progressos da optica como meio de descobrir-se o mierobio da febre amarella. Mas esse appello seria ainda infructifero.
A potencia optica das lentes microscopicas não se mede pelo grão de augmento das imagens, mas sim pelo que se chama seu poder analytico e definidor. Ora, os aperfeicoamentos da optica, que garantem a superioridade das lentes microscopicas neste particular póde-se dizer que já attingiram os seus ultimos limites; elles con- seguiram eliminar toda a aberração de côr e de esphericidade das lentes, e evitar a reiracção e a dispersão dos raios luminosos, que prejudicavam o poder analytico e de- finidor. As faturas lentes podarão nos dar um augmento maior das imagens, não
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contesto, mas certamente não conseguirão analysal-as nem definil-as melhor do que as hoas lentes actuaes. De que serviria apprehender no campo do microscopio uma imagem maior, desde que ella não pudesse ser bem analysada e definida? Quem seria capaz de dizer que essa imagem representaria a fórma deum microbioou seria outra cousa qualquer diflerente?
As duas commissões, portanto, por mais que invoquem em seu favor a sane- cão que não é irrefragavel dos primazes do Instituto Pasteur, não chegarão nunca a nos convencer que o microbio da febre amarella é invisivel. E tanto é assim, que já a commissão franceza julgou provavel ser esse microbio um spirillo!
Si, pelos motivos que acabamos de expender, não é scientificamente admis- sivel que o microbio da febre amarella seja invisivel, corre-nos o dever de ex- plicar porque as duas commissões foram levadas a pensar de modo diverso. Deve-se buscar a explicação dessa idéa inadmissivel nos processos inconvenientes, que ellas empregaram nas pesquizas e na ignorancia de certas condições de de- terminismo, que deveram ter sido realizadas durante a execução das mesmas pes- quizas. Ellas sahiram á procura do objecto por caminhos onde elle não podia ser encontrado, e abandonaram as veredas que podiam com mais certeza e segurança conduzir ao fim desejado. Houve pouca insistencia, para não dizer muita precipi- tação, no modo de colher os factos, que parecendo a principio contraproducentes, com mais detido exame tornar-se-hiam talvez comprobatorios.
Inversamente do que succede com muitas outras especies de infecção, a febre amarella é molestia que obedece a um certo determinismo relativo, não só quanto á manifestação dos symptomas, como, principalmente, quanto à presença e á acção da causa. Ha uma certa ordem de sympltomas que nos casos typicos é inva- riavel; assim como tambem em relação à causa ha certas condicões bem determi- nadas fóra das quaes ella não póde ser reconhecida e isolada. Quaesquer que sejam os processos de pesquiza empregados, elles darão sempre resultados nullos, si aquellas condições não forem realizadas.
Ora, para a môór parte dos investigadores esses condições ficaram desconhecidas e indeterminadas, creio eu, razão por que taes investigadores nunca conseguiram isolar o microbio da febre amarela.
Destas condicões: determinativas, umas referem-se ao doente, outras ao methodo de investigação. Vamos em seguida indical-as e analysal-as.
Em regra, o microbio só póde ser observado no sangue do doente no 2º e 8º dias da molestia ; por excepção, no 5º dia, quando o doente não é uremico. A aceumu- lação da uréa no sangue obsta à proliferação do microbio nesse meio. Este facto foi por mim comprovado em culturas contendo uréa na proporcão de 4 º/, e elle explica por que depois do 3º dia da molestia não se encontra mais o microbio no sangue.
Accresce que, dadas essas condições de visibilidade, o exame do sangue extrahido ao mesmo tempo de pontos varios da superficie cutanea: não revela sinão em raros pontos a presenca do microbio. Com a diferença apenas de algumas horas, os pontos de eleição mudam : aquelles em que elle antes se revelou tornam-se nega- tivos e vice-versa. Destas observações mui racionalmente deduz-se não só que a quan= tidade do germen existente no sangue é rejativamente pequena, como mais ainda, que
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elle não se acha regularmente espalhado na torrente circulatoria. Elle não se accumula no sangue ea sua presença em muitas zonas da rêde capillar peripherica é tem- poraria e de mui curta duração.
Comprende-se como a ignorancia destas condições de determinismo póde ter induzido a investigações perdidas, e afinal à negação da visibilidade do microbio da febre amarella.
A parte technica das preparações tem no caso vertente grande valor. A fixação na lamina pelo calor o destróe. As lavagens em jacto das laminas de preparação desaggregam-no facilmente do sangue. As preparações em camada mui fina não são demonstrativas. No sangue o microbio se tinge difficilmente pelas côres da anilina, até mesmo pela fuchsina, que é a sua côr predilecta. As fórmas unitarias evolu- tivas, na primeira phase do desenvolvimento, são refractarias á coloração, estejam ellas misturadas com o sangue ou fóra delle. De todas as córes da anilina a que se fixa melhor é a fuchsina; entretanto ha fórmas embryonarias que não se tingem com esta materia corante, nem com nenhuma outra.
Nas culturas, a semeadura de gottas de sangue fica muitas vezes esteril; facto este perfeitamente explicavel pela disseminação irregular do microbio no sangue e pela sua ausencia neste meio organico, depois do 3º dia de molestia. Os meios de cultura que podem favorecer o desenvolvimento e a proliferação do microbio são aquelles que contém peptona e glycose, e reacção neutra. Nos meios solidos, sujeitos ao contacto doar em tubos fechados com rólha de algodão esterilizado, elle offerece uma fórma de evolução differente daquella que apresenta nos meios liquidos. Nestes elle tem a fórma de torula, com reprodueção gemmulada, emquanto naquelles tem a fórma mucelial de um bolor. Este dimorphismo nada tem de extranho, nem de singular ; elle obedece ás mesmas leis que regem a evolução de grande numero de microorganismos da classe dos Blastomycetes. As seguras observações de Flúgge, Joergensen, Laurent, etc., tornaram certo este facto: que as torulas ora se reproduzem por gemmação, ora, em determinadas condições de meio, por um mycelio, como o dos Dolores.
No sangue, dentro dos vasos capillares, fóra do contacto do ar, a fórma é torulada. Ahi as condições do meio não permittem a evolução mycelial, Não obstante, existe archivada na sciencia uma curiosa observação do Dr. Schmidt, de Nova Orleans, que reconheceu a presenca de um mycelio na trama cellúlar do figado de um doente de febre amarella. Esta interessante observação está minuciosamente consignada na obra de Carmona y Valle— Etiologie et Prophylaxie de la Fitvre Jaune.
Observação analoga vem consignada no Relatorio que Sternberg publicou da sua missão à Havana, em 1879. Numa série de preparações, feitas com o sangue ex- trahido dos dedos de varios doentes, em algumas dellas elle encontrou, dias depois, um fino mycelio desenvolvendo-se sobre a camada de sangue, fechada entre as duas laminas. Tão rigorosos foram os cuidados de asepsia empregados nessas preparações, que esse facto impressionou vivamente o espirito do obser - vador. Elle não quiz, porém, render-se à evidencia, appellando para o facto de não ser encontrado o mycelio em todas as preparações. Cousa inteiramente iden- tica observámos em 1885, eu c o Dr. Araujo Góes.
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No figado recentemente extrahido do cadaver, e mesmo conservado no alçooj a 40º durante alguns dias, o microsio é facilmente visivel sob a fórma de cel- lulas redondas, com o aspecto de plasmodios, de brilho opalino, de dimensões variaveis, que podem attingir a 15 e 20 microns. Para vêl-o basta usar de um processo mui simples — depositar uma gotta de agua distillada sobre a lamina e passar depois em cima da gotta, por leve fricção, um pequenino fragmento do figado, extrahido das camadas mais profundas do orgão. Com as objectivas de im- mersão Zeiss produzindo augmentos de 1200 a 1500 diam., e illuminacção fraca, observa-se atravez da laminula, que cobre a preparação, grande numero dessas cellulas em evolução, algumas refringentes, algumas animadas de um movimento oscillatorio muito activo e de locomoção. Ellas crescem augmentando gradualmente de diametro e quando teem attingido as dimensões de 8 a 10 microns, perdem o movi- mento e apresentam então interiormente vacuolos e granulações, outras vezes corpus- culos redondos ou ellipticos, que parecem representar o papel de espóros endos genos. Pela ruptura da membrana envolvente os espóros e as granulacões são despejadas fóra das cellulas. Algumas vezes veem-se as granulações movimentadas dentro da propria cellula.
Não posso inteiramente conceber e ainda menos explicar por que alguns obser- vadores que viram estas cellulas no figado as confundiram com globulos de gordura. O só aspecto da cellula, o seu movimento de oscillação e de locomoção, o seu lento crescimento, a presenca de espóros endogenos, a possibilidade de ellas se colo- rirem pela fuchsina quando teem attingido certas dimensões, e finalmente a faculdade de ellas serem cultivadas fóra do figado em meios liquidos contendo glycose ou lactose, provam exuberantemente o erro daquelles que formularam semelhante opinião.
Não se póde absolutamente duvidar que sejam cellulas de um micrcorganisma — essas que se encontram em abundancia no figado, e que estas cellulas sejam iden- ticas ás que se encontram no sangue do doente de febre amarella, nos 2º e 3º dias da molestia. Para conserval-as na preparação com as fórmas caracteristicas que ellas teem no figado, usamos do seguinte processo — friccionamos levemente a superficie da lamina com um pequenino fragmento de tecido do figado, junta- mos uma gotta de agua distillada, deixamos ficar a lamina exposta ao ar sob
* Não foram sómente as duas commisso sqd Havana e do Rio de Janeiro, que viram o microbio da febre amarella, inscientes de que tinham sob os olhos aquillo. que andavam procurando.
Tambem o Sr. W. Councilman, anatomo-pathologista americano, que collaborou na parte histologica do relatorio do Sr. Sternberg, em 1879, deserveu minuciosamente as cellulas lhyalinas no; figado, sem poder determinar-lhes a natureza nem a orizem, Chegou a consideral-as um microorganismo da classe das wnvibas, mas nenhum esforço fez para reconhecer a relacão que porventura existisse entre esse microorga- nismo e a molestia, Deixemol-o exprimir-s> com as proprias palavras do seu relatorio :
« Nos espacos que existem entre as cellulas do figado, ou oceupando a sêde vasia destas collulas, nota-se à presenca de grande numero de corpos (bodies) intensamente coloridos pela cosina, os quaes só se veem per- feitamente mediante o emprego de erandes augmentos. Elles teem uma orla circular bem limitada, são mui refringentes, e formados de uma massa hyalina, na qual existem numerosos vacuolos. Ellas variam muito de grandeza ; às vezes não excelem o diametro de um leucoeyto : outras vezes teem um tamanho igual ao de duas cellulas do figado, Estes corpos são geralmente redondos, ou mais ou menos irregulares na forma.
Em algumas cellulas do figado existiam massas hyalinas pequenas, de contornos menos bem limitados. im geral estes corpos não tinham nucleo; havia alguns, porém, nucleados.» Sternberg. Eliology and prevention of yellow fever, p. 152.
A estampa gravada, que illustra esta descripeão e acompanha o livro, não me deixa hesitar um mo- mento sobre a natureza dos corpos hyalinos deseriptos por Gouncilman : são as cellulas hyalinas do microbio da febre amarella.
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uma redoma de vidro durante meia hora; juntamos depois uma gotta de formol, cobrimos a preparação com a laminula e fechamol-a com parafina ou com balsamo do Canadá. Estas preparações se teem conservado inalteradas por espaço de muitos dias. Mais adiante mostraremos que cellulas microbianas tendo todos os cara- cteres das que são encontradas no figado do doente de febre amarella foram obser- vadas pela commissão franceza nos orgãos de stegomyias infectados, e por ella erra- damente classificadas como sporozoarios.
Para reconhecer qual seria a accão pathogenica deste microbio teriamos, con- forme as regras experimentaes adoptadas, de inoculal-o no homem ou nos animaes. A inoculação do sangue do doente prestava-se a dar resultados incertos e con- tradictorios : o microbio poderia, na occasião, não se achar presente no sangue, e este por sua vez, poderia estar carregado de principios toxicos differentes daquelles, que são produzidos pelo microbio; e nesta conjunctura os symptomas caracteristicos da molestia não se revelariam, sendo substituídos por phenomenos extranhos, de outra procedencia. Em vista destas razões pareceu-me mais seguro meio de comparação, em vez de inocular o sangue dos doentes nos animaes, ino- cular os liquidos de cultura em varias phases de desenvolvimento. Os animaes escolhidos para essas experiencias foram o coelho e o cão.
Verificada a pureza da cultura injectava-se o liquido no pavilhão da orelha umas vezes, outras vezes no tecido cellular subcutaneo do dorso ou do abdomen. Os phenomenos observados nos coelhos foram: augmento de 1 a 2 grãos de temperatura, no fim de 24 horas; abatimento, tristeza, diminuição rapida do peso, morte no fim de 4 a 5 dias, precedida algumas vezes de crises convulsivas. Em alguns casos foi reconhecida a presenca da albumina na urina, em outros a bexiga foi encontrada vasia na occasião da morte, induzindo a pensar em casos de anuria. O exame anatomico revelou invariavelmente lesões mui accentuadas no figado e nosrins Oaspecto daquelle orgão era exactamente o mesmo do figado da febre ama- rella humana. Osrins estavam congestos, com infarctos hemorrhagicos. No sangue e no figado o exame microscopico denunciou a presença do microbio injectado.
No cão houve crises de vomitos, augmento de temperatura, grande prostracão, tremor e morte algumas vezes no fim de 20 horas, quando a injecção era practicada nas veias.
O sueco do figado, mesmo depois de esterilizado na temperatura de 420º, tem uma virulencia extrema. Dez gottas injectadas de uma vez em coelhos cau- saram-lhes a morte no fim de dous a tres dias. Por estes resultados já se póde “julgar do papel importante que representa a toxina na febre amarella.
Comprehende-se bem que a febre amarella experimental provocada em animaes não póde reproduzir o quadro perfeito da febre amarella humana: os phenomenos subjectivos, em taes experiencias, escapam inteiramente á nossa apreciação ; ficamos adstrictos á observação dos phenomenos objectivos, e ao reconhecimento das lesões visceraes. Ainda neste campo restricto os svymptomas e as lesões que observei nos animaes teem a mesma feição caracteristica dos symptomas e das lesões observadas no homem : estado febril, albuminuria, anuria, crises de vomitos, degeneração amarella do figado, congestão intensa dos rins.
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Mas, senhores, por que não me hei de aproveitar da occasião para vos demonstrar que o microbio que eu isolei do figado dos doentes de febre amarella esteve debaixo dos olhos e foi objecto de cogitações da commissão americana no Mexico e da commissão franceza no Rio de Janeiro?
Essas duas commissões, nada tendo encontrado, segundo affirmaram, no doente e no cadaver, foram explorar os orgãos dos mosquitos infectados, contando serem mais felizes nesta nova ordem de pesquizas.
A commissão americana no Mexico descobriu nos orgãos do stegomyia infe- ctado um microorganismo com a fórma de cellulas ou corpos refringentes, que ella denominou celulas hyalinas, e que julgou pertencer á classe dos sporozoarios ; razão por que as classificou de miysxococcidium stegomuice. Este achado suseitou no espirito da commissão a suspeita de ser esse o germen especifico da febre ama- rella. Nenhuma pesquiza ulterior, porém, fez ella para a verificação experimental dessa hypothese. Contentou-se com a idéa de uma probabilidade, que nunca foi provada, nem se buscou provar. Depois disso, a 2º commissão americana, que foi ao Mexico, estudando mais scientificamente o myzxococcidium stegomyice acabou conven- cendo-se de que as cellulas hvalinas assim denominadas pela 1º commissão eram cellulas de um blastomvcetes, talvez o sacharomyces apiculatus. Esta approximou-se muito da verdade na classificação generica, mas segundo me parece, errou na classificação especifica. * Em todo o caso, devemos registrar como facto de valor demonstrativo, que as cellulas hyalinas do mosquito infectado foram, afinal, reconhe cidas no Mescico como cellulas de um Blastomycetes.
A commissão franceza no Rio de Janeiro descobriu em stegomyias infectados um microorganismo, que a seu juizo, deve ser o mesmo encontrado pela com- missão americana no Mexico. Ella o descreveo como plasmodios, discoides ou piri- formes, cujo diametro attingia às vezes 15 e 20 microns. Em um certo periodo de evolução esses corpos redondos refringentes revestem-se de um involuero, consti= tuindo destarte uma verdadeira cellula. Depois, o protoplasma segmenta-se, divide-se e dentro da cellula formam-se varios espóros. Estes não offerecem todos igual aspecto ; uns são brancos, outros escuros.
Por uma dissolução da membrana cellular os espóros ficam livres. Os de côr escura germinam emittindo um tubo mycelial com ramificações, semelhante ao dos Dolores, chegando o mycelio, em uma das observações, a ter o comprimento de 100 microns. O tubo mycelial apresentava constriccões de espaco a espaco, de modo a assemelhar-se a um rosario de cellulas. A commissão classificou este microorganismo entre as Nosemas, e declarou que nenhuma relação elle tinha com a causa da febre amarella.
Não tenho hoje a menor duvida de que a commissão [ranceza deu uma clas- sificacção errada a esse microorganismo. O genero Nosema foi creado por Naegeli, de Munich, expressamente para nelle incluir os corpusculos brithantes, que Pasteur
* O sacharomices apiculatus é um cogumelo de cellulas alongadas, citronadas, que não esporúla
(Hansen). Tem sido encontrado sobre a pellicula de certos fructos succulentos já maduros. Reproduz-se por .
gemmulacão ; não tem fórmas plasmodiaes. Nenhuma paridade póde, portanto, existir entre este cogumelo e as cellulas hyallnas, conforme pretendeu a 2º commissão do Mexico.
DR. J. B. DE LACERDA—O MICROBIO DA FEBRE AMARELLA 1
encontrou nos bichos de seda atacados de pebrina. Estes corpusculos, consi- derados a principio como estylosporos de um cogumelo, foram depois melhor estudados por Leydig e Balbiani e incluidos na classe dos microsporidios. Com referencia a elles assim se exprime Balbiani nas suas notaveis lições sobre os Sporozoarios, p. 132:
« Estes corpusculos nunca apresentaram germinação, e esta observação ne- gativa eu posso confirmal-a, porque tive occasião de fazel-a : munca estes corpus- culos germinam como succederia si elles fossem espóros de um cogumelo. »
Ora, os esporos do microorganismo encontrado pela commissão franceza no stegomvia infectado germinaram, dando origem a um longo tuho mycelial rami- ficado como o dos bolores, conseguintemente este microorganismo não póde ser incluido na classe das Nosemas, ou para expressar-me mais genericamente — elle não e um microsporídio.
A commissão franceza perdeu uma excellente occasião de verificar o valor causal que tinha o microorganismo encontrado por ella no stegomvyia infectado, e que erradamente classificou como Nosema. A coincidencia da sua observação com a da commissão americana no Mexico, mostrando que lá, como aqui, identico microorganismo encontrava-se no stegomyia infectado não devera ter feito pre- sumir, si não com certeza, ao menos com algumas probabilidades, uma relação causal entre esse microorganismo e a febre amarella ?
Entretanto, ella não buscou isolal-o nem cultival-o para inoculal-o depois em um individuo da especie humana. Si houvesse assim procedido, teria tido uma base solida para affirmar ou negar a relação desse microorganismo com a causa da febre amarella. Em vez de seguir, porém, esse caminho, que se apresentava como o mais curto e o mais seguro, a commissão limitou-se a concluir por comparação, isto é, ella escolheu justamente a fórma de raciocinio experimental que menos solidas garantias offerece contra o erro. Querendo basear o seu juizo na comparação, ella procurou o microorganismo em stegomyas, que se devia pre- sumir não estivessem infectados, e, como em alguns destes descobrisse um micro- organismo identico áquelle que havia sido encontrado nos mosquitos infectados, concluiu dahi que esse microorganismo nenhuma relação tinha com a causa da febre amarella.
Que actualmente o valor desta conclusão póde ser contestado, dil-o implicita- mente a propria commissão no seu mais recente trabalho, Assim, ella reconheceu este facto, extraordinariamente importante—que a infeccão do stegomvyia transmitte- se aos ovos, à larva e ao novo mosquito oriundo dessa larva. Quer isto dizer que existem mosquitos infectados, cuja infeccão elles não adquiriram sugando o sangue de um doente. Sendo assim, quem poderia affirmar que os mosquitos não infectados experimentalmente, nos quaes a commissão descobrio o microorganismo, que ella classificou como Nosema, não eram mosquitos infectados hereditariamente ?
Vejamos agora o que dizem os factos da nossa observação neste particular. O exame dos orgãos de um stesomvyia, que havia sugado o sangue de um doente de febre amarella, no 3º dia de molestia, nos mestrou um microorganismo de fórmas iden- ticas ás daquelle que se encontra no figado do doente. O corpo deste stegomyia,
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depois de esmagado e triturado em uma capsula de platina esterilizada, ficou em maceração na agua distillada, durante uma hora. Esta agua foi injectada nas veias de um :ão. No dia seguinte o animal tinha a apparencia de doente; recusava o alimento, conservava-se deitado e tinha a temperatura augmentada de 1 grão. Este estado prolongou-se por espaco de dous dias. As preparações do sangue, feitas no se- gundo dia, deixaram vêr nitidamente as fórmas toruladas que se veem no sangue do doente. No corpo do mosquito existia, portanto, um microorganismo, cuja identidade com o microorganismo do sangue do doente nos pareceu de todo o ponto incontestavel. As fórmas delle no sangue do cão eram identicas ás fórmas que elle tem no sangue do doente. Pergunto agora, não terá esta experiencia a valor de uma contraprova ?
Si as relações que entre si guardam estes factos não teem todaa clareza da evi- dencia, ninguem, entretanto, poderá contestar que elles deixam perceber, como através de um véo semi-transparente, os pontos de identidade que existem entre o microorga- nismo do mosquito infectado e o microorganismo do sangue do doente.
Nos problemas que se tem de resolver pela experiencia, diz Cl. Bernard, os factos nada valem sem o raciocinio : o supremo criterio experimental é a razão. Os processos intellectuaes do investigador não são, porém, os do mathematico : a mobilidade e a complexidade dos phenomenos biologicos difficultam e embaraçam a demonstração.
Sem embargo disso, não se póde negar, que no caso vertente os factos colligam-se coordenam-se e harmonisam-se de tal modo, que não se lhes póde contestar um real valor demonstrativo. Embora as duas commissões, a de Cuba e a do Rio de Janeiro tivessem declarado que o microbio da febre amarella é invisivel, eu não hesito em affirmar o contrario. O hiato que ellas deixaram ficar entre a observação do doente eado mosquito, impedio que ellas sorprehendessem a verdade na ligação que existe entre osfactos homologos das duas partes complementares do problema. A 2º com- missão americana do Mexico foi um pouco adiante no caminho certo quando reconheceu que o microorganismo suspeito encontrado por ella no mosquito in- fectado não era um sporozoario, mas um blastomycetes. E como eu por minha parte, estou convencido de que o microorganismo, que se encontra no sangue e no figado do doente de febre amarella é um blastomvycetes, e que este microorganismo, apresenta todos os caracteres de identidade com o microorganismo do mosquito, observado no Mexico e no Rio de Janeiro pelas duas commissões, julgo-me auctorizado a dizer que os dous termos do problema estão agora conhecidos e que o microbio da febre amarella é um blastomycetes, que tanto póde ser encontrado nos orgãos do mosquito infectado, como no sangue e no figado do doente acommettido desta molestia.
Ao reverso do que succede na malaria, na febre amarella o cyclo fecha-se com identidade de fórmas, sem haver uma evolução morphologica no mosquito e outra nc homem com formas differentes.
E* certo que pela vez primeira se atiribue a causa de uma molestia infectuosa a um microorganismo da classe dos Blastomycetes, isto, é a um fermento figurado. Será esta a razão pela qual alguns espiritos teem duvidas ainda em aceitar esta causalidade
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para a febre amarella? Mas se assim é, cumpre attender a que a novidade de um facto comprovado jámais serviu para tirar o valor das provas que o demonstram.
Negai, no caso presente, o valor das provas, si isso é possivel; e si a razão im- parcial, sem compromissos com opiniões prestabelecidas, achar que essa negação é bem fundada, eu me confessarei confundido, e comecorei desse momento em diante a duvidar do valor dos processos demonstrativos da sciencia.
Podeis dizer-me ; falta uma prova final, ultima, decisiva, aquella sem a qual esta- riamos duvidando ainda hoje da transmissão da febre amarella pelo mosquito, a prova experimental humana. Sim, estou de accordo : quando o germen extrahido do figado, cultivado em meio appropriado, fôr inoculado em um ou mais individuos, que não tenham immunidade, e nelles venha desenhar-se em seguida o quadro da febre amarella com os seus tracos caracteristicos, não poderá haver mais sombra de duvida ; a prova será irrefragavel.
Esta prova, que por escrupulos de consciencia deixei até hoje de adduzir, virá a seu tempo, e muito breve: ella será o complemento final de todo o meu trabalho, o ultimo élo de uma longa cadeia, que levei quinze annos a construir, *
Para corroborar com argumentos de outra especie a opinião inabalavel, que tenho, de que o microbio da febre amarella é um blastomycetes, examinemos alguns pontos interessantes do processo morbido desta molestia.
Haverá quem conteste que o figado é o orgão de eleição da febre amarella, aquelle em que se encontram as lesões caracteristicas e constantes dessa molestia ? Quando em uma molestia infectuosa as lesões caracteristicas se localisam em certo e deter- minado orgão, é porque o parasita que causa essa molestia encontra nesse orgão condições mais favoraveis de vida do que em outros. Essas condições são, por via de regra, principios organicos que convém à alimentacão do parasita. Pois bem, que principio organico alimentar existe no figado, em quantidade muito superior
* Não sei bem até que ponto póde a sciencia arrogar-se o direito de fazer experiencias em uma creatura humana para o fim de resolver um problema biologico, quede outro modo não seria nunca resolvido.
Para nós outros que obedecemos às regrase aos dictames da moral christa, a vida humana é tão sagrada e inviolavel que nenhuma razão suprema e interesse de especie alguma poderiam justificar o violento sacrificio della.
A moral, porém, não é um codigo de princípios certos e immutaveis ; ella varia com os tempos e as epochas, com q sentimento religioso de cada povo, até com as circumist ncias de oceus:ão e de momento.
Muitas nações, que se dizem civilisadas, manteem aínda hoje nos seus codigos de leis criminaes a pena de morte, apezar dos vivos protestos que, contra a applicacão dessa pena barbara, teem levantado eriminalistas notaveis e escriptores de gen'o.
O direito de tirar a vida a um nosso semelhante para desaffrontar a sociedade offendida e obstar pelo exemplo que não incorram outros na mesma pena, commettendo igual delicto, uma vez que
“esteja consagrado na legislação de alguns povos civilisados, facilitara à sciencia, governando-se pelas leis destes povos, o arrojado intento de realizar experiencias arriscades em condemnados à morte, Nos paizes, porém, em que a pena capital foi ja abolida, não subsiste mais esse recurso in extremas ; e então qualquer experiencia humana tentada com risco de vida em condemnados à prisão nas peni- tenciarias ou nos calabouços, não seria justificada nem admissível.
Entretanto, visando a experienc'a um fim ut'l e humanítario, ninguem póde impedir que, por decla- ração expressa e vontade propria, alguem queira à ella sujeitar-se. |” uma questão essa unicamente de liberdade de consciencia e de accão na qual ninguem tem o direito de intervir.
Demais, expor a propria vida a muitos riscos para resolver um problema de seiencia, da qual vão decorrer muitos beneficios para a humanidade, é, sim contestacão, practicar um acto de coragem e de benemerencia ; e como tal elle merece ser louvado.
Ds accordo com esta regra de moral, que aceito, e outros já teem practicado, foram feitas nestes ultimos tempos experiencias humanas tendentes a verificor o modo de transmissão da febre ama- xella, e é sabido que, por virtude dessas exp-riencias, algumas vidas foram sacrificadas. (Caso La- zear e outros em Havana e no Rio de Janeiro ), Não ha aqui, a meu vêr, sinão motivos para lamentar o infausto successo, que sem pezar sobre a consciencia dos que dirigiram na bõa intenção essas ex poriencias, serviu de enobrecer a memoria dos sacrificados por amôr da sciencia e da humanidade,
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áquella em queo mesmo principio existe nos outros orgãos ? Todos sabem que é a materia glvcogenica.
Ora, nenhum microbiologista ignora que a glycose constitue o principal ali- mento dos blastomycetes: e as minhas experiencias provaram que o mierobio extrahido do figado do doente de febre amarella só prolifera bem nos meios de cultura que conteem glycose. Esta relação harmonica de factos não constitue, por sua vez, um argumento em favor da causalidade que eu sustento?
Os blastomycetes são fermentos da glycose, substancia hydrocarbonada; em certas condições o são tambem das substancias proteicas albuminoides, e a fer- mentação que elles preduzem nesses meios traz como consequencia a dissolução destas materias, com producção de grande quantidade de substancias acidas.
Ora, em nenhuma molestia infectuosa a dissolução do sangue e a formacão abundante de acidos se dá com a profusão e a constancia, que se observa na febre amarella. A hyperacidez gastrica e as hemorrhagias capillares são dous symptomas constantes da febre amarella tyvpica : elles são, quanto a mim, effeitos mais ou menos directos da acção fermentativa do blastomyceete.
Por isso que o blastomycete, causa da febre amarella, age como um fermento, a quantidade deste necessaria para desenvolver o processo morbido não exige uma grande proliferação cellular do microorganismo. Quantidades pequenissimas do agente toxico, produzido por essas cellulas, durante o trabalho da fermentação, são sufficientes para promover as lesões e provocar os symptomas, que caracteri- sam a febre amarella. O desenvolvimento desta molestia torna-se, portanto, com- pativel com uma proliferação mui limitada das cellulas do fermento no sangue. Conse- guintemente não nos devemos admirar que a febre amarella possa coexistir com a ausencia quasi completa do microorganismo no sangue.
Os documentos, de que me fiz acompanhar, para tornar practica e convincente a minha desmonstração, consistem em preparações de cultura, preparações do san- gue dos doentes, preparações do microbio extrahido do figado, preparações do sangue do cão ineculado nas veias com o succo de um stegomyia infectado : fragmentos de figados humano de cão e de coelho, conservados no alcool.
O microscopio, em que vou mostrar essas preparacões, é o mais perfeito modelo de Zeiss, munido de excellentes objectivas apochromaticas de immersão homogenea. Ellas mostram as